Eu nem sei seu nome, nem tenho certeza de seu gênero.
O fato é que me afeiçoei ao seu olhar. Gritante de desespero, receoso e
triste. Cortante.
O seu olhar deveria causar vergonha a Humanidade, pois ele está farto de
desilusões, assim, tão cedo.
Olhos assustados, lábios comprimidos, mordidos pelo medo.
Quis torná-la íntima, lhe dar um nome, chamei-lhe Bia.
Quis lhe dar um final feliz, apesar deste mundo nem sempre nos permitir.
Ah, Bia! Queria tanto te ver sorrir, te ver brincar, te ver viajar,
correr, tirar fotografias...
E o que te fez famosa foi justamente uma foto, tirada sem pretensão.
Em que o teu sofrimento se resumiu num pavor à maquina. Mas desta
máquina você não precisa ter medo.
Eu queria muito, minha querida Bia, poder te contar de todos os teus
direitos. E te oportunizar uma infância a qual você pensa que é fábula. De
certa maneira é.
Sabe Bia, você devia ser o futuro. Ter uma casinha quentinha, ir à
escola, brincar, ser cuidada por uma família que te oportunizaria tantas coisas
boas... Mas nem sempre é assim.
E infelizmente, você não é o único caso. Aqui mesmo, onde moro, no
Brasil, nossas crianças são mortas, abusadas, massacradas e sofridas e olha que
nem estamos em guerra.
Eu queria pegar a máquina de fotografia e contigo desbravar seus
mistérios, te ensinar a fotografar coisas do cotidiano. Queria te ensinar a ler
e a escrever. Correr contigo no parque, brincar de roda, te dar o meu celular
pra você futucar.
Te ensinar as primeiras noções de amor e solidariedade, autoestima, empoderamento e ética do cuidado.
Te ensinar as primeiras noções de amor e solidariedade, autoestima, empoderamento e ética do cuidado.
Queria ver a sua emoção ao passar no vestibular. E depois, ver você sair
pelo mundo, ensinando outras crianças, enchendo-lhes de esperança num mundo
melhor, construindo esse mundo, transformando-o num lar de verdade.
E ver você engajada nas lutas sociais pelo seu povo, lutando pelos
direitos das crianças e adolescentes pelo mundo de um jeitinho todo especial. A
Bia contadora de histórias!
Mas o que eu mais queria mesmo era te dar meu carinho, meu abraço, meu
afago e dizer a você que vai ficar tudo bem. Que tudo isso vai passar.
Queria poder te dizer que ainda pode acreditar em outro ser humano,
ainda que ele tenha criado máquinas de autodestruição. Existem outros por aí
que criam a cura de doenças, que lutam por direitos das minorias, que lutam
pela paz e que nos ensinam a ser pessoas melhores.
Eu queria poder esconder essa foto sua, pra te proteger da exposição
exacerbada, mas é preciso denunciar essa tua dor que agora também é minha e de
tantas crianças mundo afora.
Onde estará você agora, Bia?
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Ê, vida que nos rende tantas vezes...
Hoje estou com os olhos triste como os da Bia. Mas eu ainda quero acreditar na vida, no homem, na mulher e no que virá!
Ana Paula Duarte.
*Ana Paula Duarte é feminista, poeta e guerreira dos temas e causas sociais. Acompanhe seus textos no site http://anaconfabulando.blogspot.com.br/
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