segunda-feira, 28 de julho de 2014

O sorvete assassino

João Carneiro, João por parte de pai e Carneiro por parte de mãe
 (que Deus a tenha), trabalhava em uma das mais calorentas profissões
 desse Brasil tropical. De sol-a-sol ele cortava a pé as ruas do centro
 da cidade de Feira de Santana, Bahia. Seu objetivo: Ir de banco em
 banco fazer depósitos ou quando não, fazer cobranças, o famoso
 ofice boy, em inglês, é claro, já em português garoto de oficio.
         Todo dia era a mesma coisa:
- João vá ali fazer deposito.
- João bata na porta de seu fulano e cobre o que ele me deve a três meses.
         E lá ia João, a pé, com o Sol queimando a murfa, malmente com 
uma bicicleta Barra Circular vermelha ano 92, que de vez em quando lhe
 agraciavam.
         Seus resmungos estavam guardados, dentro de uma carcaça,
 morena clara, magra e alta. Não abria a boca para reclamar, 
só uns murmúrios mão elaborados de canto de boca. Mas não 
pensem que João era um ninguém, ao contrario, sonhava em ser
 gente, a como sonhava, mesmo quando sua mulher dizia:
- Você é um traste velho imprestável!
         Ah como João queria ser gente! E foi assim que ele saiu
 naquela tarde de casa, prometendo pra si mesmo:      
- Vou ganhar na loteria e vou gastar meu dinheiro todo fazendo algo que eu
 goste.
         E foi assim que João foi em direção a casa lotérica. Ônibus nem pensar,
 João não tinha dinheiro, iria gastar tudo fazendo aposta na Mega Sena.
 E sobre um calor escaldante dos trópicos, João avistou um menino a se
 deliciar com sorvete, e que sorvete! Daqueles que matam a sede e
 transformam uma tarde ensolarada dos trópicos, em uma doce e suave brisa matinal.
         João não gostava de cerveja, amarga já era a vida que levará, não tinha mais 
idade para mulherada, havia pendurado sua bengala a algum tempo, mais o sorvete
 daquele menino, esse sim, lhe fazia babar e transpirar de emoção. Então João
 de súbito arrojo, ajoelhou-se (de tão católico que era) e pediu a Santo Expedito, o
 santo das causas impossíveis para ganhar na loteria. Prometerá ao Santo em troca,
 gastar todo dinheiro em sorvete, sendo que metade dos sorvetes que ele chupasse
 colocaria aos pés da imagem do Santo Expedito que ele tinha em casa, assim o 
Santo iria estar refrescado o dia inteiro.
         Promessa feita, foi-se João para casa lotérica fazer o seu jogo, e não deu outra:
 João acertou sozinho um prêmio acumulado de R$ 34 milhões. Quase morreu de 
coração quando viu o resultado do jogo, então pensou:
- Eita Santo Expedito arretado!
         Dias depois, João pôs mão na rexonxuda burfunfa. E como deveria de ser, não
 podia deixar de descumpri sua promessa, e logo o que se via na casa de João era
 potes e mais potes de sorvetes. Chegavam de todos os sabores e todas as marcas,
 e assim, João passava dias e dias sentado enfrente a TV assistindo e colocando 
sorvete aos pés da imagem do seu Santo Expedito, mesmo quando a mulher chamava:      
- Vem comer João!        
         Estava João sentado, em frente à TV, praticamente surdo, tomando seu sorvete.
 Era sorvete de manhã, sorvete de tarde, e sorvete de noite, para João não tinha hora.
 Uma bola de sorvete pra ele, outra para o Santo, e assim seguia os dois refrescados
 o dia inteiro.
         Como tudo que é bom, um dia acaba, os dias de calor foram-se passando, e
 o frio começou a bater a porta de João. Era uma frente fria dizia os jornais, mais João
 seguiu firme e forte com seu sorvete.
- Tu vai morrer estoporado.
         Gritava sua mulher.
- Sai daí sua velha imprestável.
         Respondia João. E assim seguia-se os dias na casa de João, até que surgiu os 
primeiros espirros.
- É apenas um vento frio.
         Minimizava João. Mais o vento foi ficando cada vez mais frio, e os espirros 
cada vez mais freqüentes, depois seguiu-se dias e dias de febre, até que João foi 
parar na emergência do hospital.
         Diagnostico contundente: Pneumonia grave.
E lá se foi João, morto pelo sorvete assassino.

Flaviano dos Santos

*Acessem o Blog Cantinho do Escritor. 
Disponível em: http://cantinhodoescritor.blogspot.com.br/2012/01/o-sorvete-assassino.
html. Acesso em: 28/07/14.

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